Freitag, 3. September 2010

Apresentação Eckert O sol nasce para todos

Kurt Benno Eckert O sol nasce para todos
Historias narradas para meus netos Cachoeira do Sul,
2009

Apresentação

Neste, nosso mundo moderno, as impressões com as quais diariamente temos que lidar são múltiplas e, consequentemente, em geral meio superficiais, coisas que vêm e vão e aparecem novamente. É por isso que tão facilmente esquecemos dados e fatos realmente importantes em nossa vida. Parece que a memória a respeito da história - inclusive de nossa história particular - não pertence às coisas que mais nos destacam. Quem foram Miquel Arraes ou Carlos Lacerda? Já faz tanto tempo que faleceram! Quem sabe os nomes de seus bisavôs? De que mais carecemos neste mundo marcado pela TV e pelo computador é uma clara noção da história, antes de tudo da própria história: quem sou eu, de onde venho, quem eram meus antepassados, em que circunstâncias particulares, familiares, sociais e políticos eles se desenvolveram?

Lembro-me de livros e documentos muito valiosos, a maioria escritos e publicados no curso dos primeiros 50 anos do século XX, de testemunhas da época, como Alfred Funke, W. Heeren, Gustav Stutzer, Friedrich Wüstner, Carlos H. Hunsche, Heinrich Wilhelm Hunsche, como também da segunda metade do século, Artur Gustav Schmidt, p. ex. Os livros desses autores um tesouro da história não apenas dessas pessoas, mas de períodos da aculturação dos migrantes alemães e da Igreja protestante marcada pela reforma luterana; e dão vivo e ilustrativo testemunho da própria história estatal e nacional no respectivo período.

A obra do Pastor emérito Kurt Benno Eckert enquadra-se honrosamente nesta ilustre série de autores que enriquecem nosso fundo de conhecimento histórico e, com isso, também nossa autopercepção.

O autor nos convida a participar das vivências de seus antepassados da Saxônia, que haviam escolhido justamente o Brasil para lá procurarem seu futuro e edificarem sua vida em tempos difíceis; passaram, inclusive, pelos „anos de chumbo", como o autor denomina a Guerra Mundial de 1914 -18. Ao ouvirem dos acontecimentos no Império do Kaiser Wilhelm II., os homens apresentaram-se perante o cônsul em Joinville para cumprirem seu „dever nacional de defender a pátria" no além-mar. Acontece, porém, que a marinha inglesa patrulhava o atlântico, parava e inspecionava os que atravessavam o oceano prendendo os alemães. Era por isso que o cônsul declarou que nenhuma embarcação partiria do Brasil levando „voluntários da pátria" alemães.

A seguir, narra-nos o autor o seu próprio caminho, da infância em Santa Catarina e no Paraná, de seus tempos de estudante no Rio Grande do Sul, caminho que se cruza com o caminho principal da história global e nacional, marcada, antes de tudo, pela nacionalização, pelos „anos de chumbo" e pela repressão dos imigrantes provenientes de países do „eixo": Alemanha, Itália e Japão.

O P. Eckert nos regala um livro que muito fala de pessoas que também chegamos a conhecer ao ensaiarmos - como „residentes" novatos neste Brasil - os primeiros passos na „serra das Missões", em Tuparendi, Tucunduva, Pratos e Linha Machado, Horizontina, etc. A narrativa do colega Kurt Benno lembrou-nos, inclusive, aquele maravilhoso piano na sala da casa Mundstock; para nós, significava „uma jóia na mata".

Bem no primeiro dia que da Europa chegamos ao Morro do Espelho, em São Leopoldo, ao famoso „Instituto Pré-Teológico"(IPT), meu colega Bertoldo Weber, então professor deste instituto, cumprimentou os dois novatos, o P. Bohnenkamp e a mim, com as palavras um tanto estranhas: „Meus senhores, sem dúvida vocês sequer podem imaginar que acabo de ter lutado contra vocês!" Ele fora membro do contingente brasileiro que, ao lado dos aliados, lutou contra o exército alemão em Monte Cassino, Itália. Fazia apenas 7 anos da derrota do regime de Hitler quando entramos no Brasil em 1952. O passado era ainda muito presente em ambos os continentes.

Também o P. Eckert fala da guerra e dos „teutos", naquela época. Hoje constatamos com certa curiosidade a opinião dos teutos sobre o corpo expedicionário. Perguntavam eles, como o sr. Kurt Benno se lembra: „Porque morrer pelos franceses e britânicos se a guerra praticamente já terminou?" O autor, contudo, lembra também os pastores detidos como também os dias do „povão", com os quebra-quebras, em certas circunstâncias tão populares no país.

Vale destacar: o narrador é testemunha dos acontecimentos de um período a cujos fatos e números em livros de história inspira vida e clareza por deixar nos participar de suas experiências.

O jovem Kurt Benno veio a ser aluno do „Proseminar" (IPT), onde foi educado na primeira turma dos „pastores made in Brazil", que, durante a guerra e o pós-guerra, marcou profundamente os destinos do então „Sínodo Riograndense".

No período anterior, antes de tudo na década 1930 até a fase da „nacionalização", numa Igreja majoritariamente marcada por pastores enviados pela Igreja Evangélica da Alemanha, sentiam-se claramente os reflexos dos acontecimentos no além-mar e, especialmente, o antagonismo ideológico entre os „cristãos germanizantes" („Deutsche Christen") e a Igreja Confessante („Bekennende Kirche"), p. ex. A juventude não ficou à parte destes antagonismos. Neste contexto é muito interessante o que o autor conta sobre suas experiências nos seus estudos no Morro do Espelho. Terminadas as aulas do dia, os alunos se juntavam para cultivar a camaradagem entre si em horas livres as tardias praticando esporte, cantando e dedicando-se ao estudo e à discussão de temas culturais, sociais e patrióticos, preparando-se desta maneira para uma vida marcada pelo civismo. O círculo que os reunia chamava-se o „Ring" - anel ou aliança. Nos dias de festas, o 25 de julho, p. ex. - o „dia da imigração alemã", em seus uniformes, marchavam pelas ruas de São Leopoldo até a praça pública com o monumento do imigrante cantando „Die blauen Dragoner, sie reiten mit klingendem Spiel durch das Tor (...)" Com a „nacionalização" o „Ring" desapareceu, já não houve marchas nem uniformes ou canções „em língua estrangeira". Suspeitava-se do perigo da subversão (...) É conhecida esta história histérica.

O „Ring" não era „a Spiegelberg-SA", como incorretamente o havia caracterizado numa publicação de 1971. Fui devidamente corrigido por colegas que frequentaram o „Proseminar" [Instituto Pré-Teológico] no respectivo período. A ideologia do „Ring" não era nazista; provinha de época bem anterior, quem sabe, dos tempos de Bismarck; foi naquela época que surgiu o hino „Heil dir im Siegerkranz, Retter des Vaterlands ...". Preferia definir de „nacional-patriotismo" a espécie de ideologia predominante entre os tempos da imigração e o auge do fascismo. Resultado do „Kultur-Protestantismus"- protestantismo cultural - da época no país de origem (importado pelos pastores provindo da Alemanha). A outra corrente de pensamento a encontrei, de forma maciça, ao ler velhos Almanaques („Jahrweiser") e edições da revista „EJ", de autoria do P. Erich Knäpper.

Em seu livro sobre a história da comunidade de Cachoeira - Quando Florescem Os Arrozais, Porto Alegre 1994 - o P. Eckert refere-se à 39ª Assembleia Geral do Sínodo no ano de 1932 a narrar: „A conferência principal, a cargo de Prepósito Funcke, dissertou sobre o tema: 'Igreja e tradição étnica'. Foi um tema polêmico. Naqueles anos, todavia, era comum a opinião de que, para preservar os valores do evangelho e da confissão luterana, deviam-se preservar os valores culturais da etnia. O maior perigo, porém, advinha naquele tempo das idéias da doutrina nazista, que procuravam impor uma concepção de mundo diferente da doutrina cristã. O tema ainda seria motivo de muita polêmica, discussão e sofrimento entre os pastores e na Igreja." (S. 64) Sente-se ainda hoje a tensão ideológica onipresente naqueles anos em que se formaram os jovens pastores.

Enquanto estudante do curso de Teologia, o presidente do Sínodo Riograndense enviou a Tuparendi o jovem aluno Kurt Benno, na condição de „substituto" do pastor, detido por ser cidadão alemão. Felizmente a comunidade evangélica da região tinha um excelente presidente, o sr. Lückemeier, que, por iniciativa própria e ao seu risco pessoal, mandou edificar a casa paroquial, oferecendo o projeto já realizado aos membros da pequena comunidade. Este detalhe demonstra a dinâmica desse homem, também em outros contextos - coincidência muito feliz para os teutos evangélicos do lugar!

O narrador fala também do imigrante alemão Willi Steinschen, o „arquivo vivo" da comunidade em formação. Homem culto, mas também representando uma antecipada espécie de hippy. Chegamos a conhecê-lo bem no início de nossa carreira na casa paroquial em Tuparendi, que nos forneceu amparo até que a comunidade de Pratos terminasse nossa futura casa. O Willi gostava de contar coisas da história da comunidade e dos pastores de Santa Rosa, centro maior da região. Falou, p. ex., das aventuras do P. Wolf, mas principalmente do legendário pastor Gustav Hahn.

O seminarista Liesenberg foi não apenas o primeiro „substituto" na comunidade, mas também o primeiro „substituto" preso, apesar de ser cidadão brasileiro; pois foi denunciado por ter falado em língua alemã, rigorosamente proibida na época. Foi preso com toda uma turma de amigos e parentes convidados para festejarem um aniversário na zona rural onde muitas pessoas sequer sabiam falar o vernáculo. Toda aquela turma festejando um aniversário foi levada para Porto Alegre! Foi a benevolência do próprio delegado porto-alegrense que os salvou de maiores dificuldades. Ele os mandou para casa - a 500 km de distância! Tempos difíceis para gente modesta!

O Willi Steinschen, alemão nato, com o presidente da comunidade, o sr. Lückemeier, verdadeiro brasileiro, e outros teutos, foram presos em Santa Rosa. Devido às elevadas despesas da delegacia por causa da alimentação de tantos presos, estes foram postos em liberdade, com exceção do sr. Lückemeier, que foi hostilmente maltratado. Foi com horror que o pessoal se lembra do comportamento dos policiais nos tempos de Getúlio!

O „substituto" Eckert - antes de cada culto dominical - tinha que se apresentar na delegacia para entregar uma lista de todos os participantes do culto. Como saber com antecedência quem participaria do culto? Eckert, utilizando uma máquina de escrever da casa Mundstock, copiou uma lista de todos os membros inscritos e regularmente entregava ao delegado uma cópia desta relação. Foi assim. Dura lex est lex, como haviam aprendido os estudantes no „Proseminar".

Para alguém como nós, que tantas vezes esteve pessoalmente em Linha Machado, primeiro de carroça, depois num velho automóvel marca Chevrolet, ano de construção 1929, tudo que o autor nos conta daquele lugarejo é muito interessante.

Os moradores, diz, teuto-russos „teimosos", formavam uma comunidade difícil; especialmente as „assembléias gerais" gravaram-se em sua memória. Um fator que mais ainda complicou a coisa foi a concorrência da comunidade „missouriana", composta de luteranos fundamentalistas com um pastor oriundo dos Estados Unidos, que tentou transferir aquele incrível fundamentalismo que se conhece de lá, onde rejeitam o conceito científico da evolução e afirmam que esse mundo foi criado no espaço de uma só semana, exatamente há 5.000 anos.

No povoado Pratos as coisas não eram essencialmente melhores. O centro, na rua principal, era formado pela casa comercial Pfitscher. Na rua paralela havia meia dúzia de igrejas: a católica, evangélica, batista e uma igreja russo-ortodoxa de duas torres, igreja fundada por um general russo. A igreja ficou famosa por causa das melodiosas canções litúrgicas dos cossacos; e, pertinho, havia mais uma igreja luterana missouriana fundamentalista. Ao planejar o povoado, os agrimensores reservaram um terreno para cada comunidade religiosa, detalhe impressionante.

Para nós, que somos muito amigos da família Mundstock, o capítulo do livro que dela trata torna-se sumamente interessante. Conta o autor como o „substituto" celebrou seu 22º aniversário na casa Mundstock e como se criaram laços de amizade com a família Mundstock, em que até encontrou sua futura esposa Herta.

Nesse meio tempo a guerra na Europa terminara, mas continuava a exigência de entregar antes dos cultos aquela lista dos participantes e a necessidade de apresentar formalmente um „requerimento" para conseguir a „permissão" para a realização do culto dominical, apesar da diminuição da perseguição de „alemães" e „italianos" no país inteiro. Foi o sr. Lückemeier que conseguiu a dispensa da prática boba do delegado de Santa Rosa. Assim terminaram as besteiras das autoridades regionais.

Um capítulo inteiro do livro é dedicado à D. Helena Mundstock, nossa saudosa comadre. Ela - filha de imigrantes suecos - foi uma pessoa com boa educação escolar e geral, „boa cria", como dizem os gaúchos. Ela aprendeu duas línguas, a língua materna, que era o sueco, e a língua oficial, o português. Havia lido uma série de livros brasileiros na época em moda. Falava a língua alemã devido à convivência com muitos imigrantes de origem alemã, já que no povoado de Guarany havia muitos teuto-russos, e Belo Centro - depois batizado de „Tuparendi" - fora um lugar quase que exclusivamente „alemão".

É comovente como P. Eckert chama a D. Helena a „mãe" dos pastores e de suas famílias, que haviam chegado da Alemanha, também „de trânsito" em Tuparendi, ou cujas senhoras procuraram o Hospital dos irmãos Hase para lá dar vida aos seus filhos, como foi nosso caso. Éramos a primeira família pastoral em Pratos e passamos semanas em Tuparendi, e o nosso primeiro filho, Ulrich, nasceu no Hospital dos doutores Hase porque a D. Helena havia insistido para que minha esposa ficasse na casa dela no período crítico, e não lá em Pratos, „no fim do mundo".

O que Kurt Benno Eckert narra sobre a chegada do Pastor Scheele em Tuparendi no ano de 1948 - 4 anos antes de nossa chegada em Tuparndí e Pratos! - nos lembra nossas próprias experiências na região: numa „assembléia geral" da comunidade, convocada para introduzir o P. Scheele, o P. Gottschald, chegado da direção do Sínodo em São Leopoldo, apresentou o novo pároco. Mas não foi coisa fácil, não: estourou uma discussão sobre o salário proposto pelo Sínodo para o novo pastor. O grupo, descontente, argumentou: O Eckert passou 6 anos aqui e nunca houve discussão nenhuma sobre o salário dele. Ele aceitou o que ele recebia sem reclamação alguma. Agora vem aí um novo pastor e se espera que a gente pague mais do que anteriormente.

O presidente Lückemeier disse mais ou menos: „DEFENDI esta comunidade durante todos estes anos de guerra: o P. Dedekind foi seis vezes preso, e nós componentes da diretoria defendíamos os direitos da comunidade e sobrevivemos. Mas agora eu fico com vergonha! Sugiro que votemos democraticamente e que seja feito o que a maioria decidir." Concordaram e ficou aceito o salário proposto pelo Sínodo Riograndense.

Eckert, a partir deste momento, ficou funcionário da casa Mundstock, onde ganhava 1.500,- mil reis ao mês. Antes, durante os 6 anos na paróquia, recebera apenas 500.- mil reis. (E nós, quando chegamos 4 anos depois a Pratos, em época de inflação galopante, deveríamos receber 2.500 mil reis - mas foi uma luta que nos esmagou ... quem nos substituiu foi um solteiro, muito mais barato ... )

Acontece que por muito tempo, primeiro o governo imperial, depois o republicano, havia completamente abandonado os imigrantes que cultivavam as matas riograndenses. Não providenciou nem escolas, nem professores. Nos núcleos maiores da imigração, como p. ex. na região de São Leopoldo, os poucos pastores tomaram conta da educação escolar dos filhos da comunidade. Na „nova colonia", p. ex. na região do Alto Uruguai, com Santa Rosa, Horizontina, Três de Maio, Três Passos etc., a situação era completamente diferente. Quase não havia pastores, nem professores nem capelas ou escolas. Em consequência, o que costumamos chamar de „cultura geral", era escasso entre a população rural que lutava porá garantir sua subsistência. E havia duas „facções" natas em toda região: o catolicismo, no tempo do império religião oficial e exclusiva, e essa minoria protestante. Além disso, sentia-se a influência do „modernismo" ou da „iluminação", que perpetrou também a colônia teuta. Notava-se uma forte influência do Carlos von Koseritz, com o famoso „Koseritz-Kalender" e outras publicações dele, o impacto da ideologia dos „livres pensadores". Devido a esta realidade sociocultural presente também no interior, na „colonia", desenvolveu-se uma espécie de „confrontação cultural", sem violência, mas com difamações, fato também registrado pelo adolescente Kurt Benno.

Em certos grupos havia demasiada difamação de padres, freiras e pastores. Denominaram escolas evangélicas de „escola dos Mucker", devido ao episódio histórico dos Muckeres no interior de Sapiranga. Difamavam os pastores, „que trabalham só aos domingos, ficando em casa durante a semana ", sem considerar, p. ex., que eles lecionavam na escola comunitária todos os dias úteis ou atendiam filiais afastadas e até muito remotas da sede da paróquia, etc. Quando os pastores, os quase exclusivos educadores da juventude, planejaram construir uma escolinha maior, os críticos apenas reclamaram: quem vai pagar tudo isso? Os colonos! E ninguém lembrou que muitas vezes foi a Obra Gustavo Adolfo, do país de origem, quem carregou o peso maior da construção, etc.

Depois de ter-nos apresentado a história de seus antepassados, imigrantes, colonos e comerciantes, e sua própria história que o levou do Estado do Paraná e Santa Catarina até o Rio Grande do Sul, história fascinante, apresentada com incontáveis estórias interessantíssimas, o autor narra „o restante", a conclusão do curso de teologia, o período ativo do pastor devidamente formado e ordenado e o alcance do status de „emérito", vivendo e escrevendo lá entre sua última comunidade na vida profissional, em Cachoeira do Sul.

Voltaremos ao jovem estudante que já havia servido como „substituto" de pastores impedidos de exercer o ministério por causa da guerra e, depois, no ano de 1948, como assistente comercial da casa Mundstock e feliz pai da filha primogênita Clarissa, em Tuparendi: Quando, depois de tempos difíceis, no Morro do Espelho em São Leopoldo, a „Escola de Teologia" começou de funcionar novamente, o Kurt Benno em 1949 inscreveu-se no terceiro semestre. Formou-se em questão de dois anos, estudando muito e com seus quatro companheiros de curso - entre eles o Arno Wrasse e o Erdmann Goetz - lendo livros teológicos dia e noite. Entre os professores encontraram-se, além do diretor, D. Hermann Dohms, os pastores Heinrich Höhn, Ernesto Schlieper e Bertoldo Weber (aquele que fizera parte do corpo de expedicionários na Itália), para mencionar apenas estes. Havia apenas 20 estudantes, muitos deles encontramos ainda lá quando chegamos ao IPT em 1952 da Alemanha. Tudo era bastante primitivo: a Escola de Teologia não tinha casa própria; os estudantes ocupavam salas de reunião, o porão do Centro de Impressos e a biblioteca do Sínodo Riograndense; dormiam nas casas dos professores e frequentavam a sala de refeições do Instituto Pré-Teológico. O Kurt Benno, ao escrever sua tese final, não encontrou nenhum livro do famoso professor Karl Barth na pobre biblioteca sinodal - onde a maioria de livros era da herança do pastor Rotermund. Finalmente ele conseguiu um tomo da „Dogmatica" dele na rica biblioteca dos jesuítas, cujo seminário encontrava-se na vizinhança do Morro do Espelho.

Com o diploma no bolso, em 1951 o colega Eckert foi chamado para servir na comunidade de Serra do Cadeado, pertinho da cidade de Ijuí, que naquela época era o centro administrativo e comercial absoluto na região do Alto Uruguai. Foi lá, na casa paroquial da comunidade evangélica de Ijuí que cheguei a conhecer o Kurt Benno ao visitar a família do pastor Jost, que era o pastor regional daquela enorme região frutífera.

Enviado à paróquia de Serra do Cadeado, lugar difícil, pois existia muita desunião na comunidade naquele momento, o jovem pastor hospedou-se no hotel, pois não havia casa paroquial naquele momento. Foi encarregado, além do pastorado, com a direção da escola evangélica. Por não haver locomoção oferecida pela comunidade, Kurt Benno adquiriu uma „aranha" com que visitava os membros fora do lugar em dias de sol; quando chovia, com as estradas de terra vermelha intransitáveis, ele ia a cavalo mesmo, como a maioria dos colonos.

Passados uns meses, a comunidade ofereceu uma casa ao pastor e a professora da escola da comunidade, que não tinha outro amparo; o Kurt Benno chamou sua esposa com a filinha Clarissa de Tuparendi e em conjunto cuidaram da comunidade. A esposa do pastor logo foi aceita pela comunidade, e muita gente veio para conversar com ela, antes de aproximar-se com seus assuntos ao pastor. Não demorou até que também a desunião entre os membros e a diretoria da comunidade desapareceu, e se criou um clima de paz e tranquilidade no povo.

Na hora do culto dominical a senhora do pároco reunia as crianças numa sala para lidar na „escola dominical", uma reunião onde se ensinava os pequenos em assuntos da religião, contando histórias bíblicas, cantando e orando. Assistido por sua esposa e a professora, o pastor criou um coro que enriqueceu os cultos como também as festas como os casamentos, p.ex. Aos domingos em que o culto acontecia numa das vilas na região, a esposa e filinha acompanhavam o pastor visitando com ele também doentes e idosos lá fora, estabelecendo um clima de harmonia e confiança na paróquia.

Na ocasião de uma visita em São Leopoldo, Kurt Benno, com um par de colegas do mesmo curso, foi devidamente ordenado ao ministério pastoral pelo presidente do Sínódo Riograndense, D. Hermann Dohms. A ordenação solene tomou lugar no mês de outubro de 1951 - aliás exatamente um ano antes de mihna ordenação ao ministério pastoral; fui ordenado no dia 5 de outubro na em minha cidade natal na Alemanha e cheguei - acompanhado por minha esposa - no Brasil no dia 1º de novembro de 1952.

O colega Eckert voltou para Serra do Cadeado. Não demorou, porém, e a família do pastor teve de passar por um período muito doloroso, quando a primogênita de repente adoeceu de uma enfermidade muito grave e perigosa, caindo logo em coma. Todo mundo ficou comovido com esta situação. Os pais temiam o pior. Até o médico ficou muito cético. Uma noite foram acordados pelas mulheres da OASE, que naquela hora, por solidariedade cristã, cuidavam da menina em coma, um susto enorme. Mas o que diziam foi uma verdadeira mensagem de páscoa, já que era a noite antes da festa: „A menina acordou e pediu água!" Que alegria! A comunidade reunida no culto naquele domingo de páscoa certamente nunca esqueceu o que o pastor disse, quando apareceu no púlpito: „Confesso que não tive tempo de preparar um sermão devido as circunstâncias preocupantes nestes dias e noites. Mas permitam-me contar-lhes uma história ... E contou o que havia acontecido em sua casa nos últimos dias, e depois nesta ultima madrugada. As palavras do pastor eram uma impressionante mensagem da festa da ressurreição de Jesus.

É assim que termina o livro biográfico do amigo Kurt Benno Eckert. Numa das viagens de Serra das Missões que o levou à região da „velha colônia" e para Cachoeira do Sul, ele mencionou que pretende mudar-se de Serra do Cadeado para Ijuí. Logo um membro da diretoria da comunidade de Cachoeira respondia: „Porque não vai assumir esta paróquia, já que não temos pastor atualmente!?" Foi assim que o autor do livro comentado se mudou para a comunidade evangélica de Cachoeira do Sul, que também foi homenageada com a edição de um livro biográfico - Quando Florescem Os Arrozais, Porto Alegre 1994.

Heinz F. Dressel
Nürnberg, Alemanha

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