Sonntag, 27. Juni 2010

O 1º de abril de 1964 em Dois Irmãos - RS

Heinz F. Dressel
Na páscoa do ano de 1964 (29 de Março) quase todo mundo esperava qualquer evento grave na vida da nação.

Apesar de preparados, ao tomarmos conhecimento pela Rádio Gaúcha, na terça-feira, 31 de março, pelas 22 horas da noite, que as tropas do general Morão estavam marchando de Belo Horizonte rumo à cidade do Rio de Janeiro, ficamos profundamente chocados. Até as 2 horas da madrugada sempre surgiram novas notícias alarmantes.

Na minha agenda profissional do ano de 1964 encontra-se uma anotação sublinhada a lápis vermelho: GOLPE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

O 3º Exército, responsável pela segurança da região sul do país, havia imediatamente colocado suas „tropas táticas" ao longo da BR-2, artéria principal do trânsito entre os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina como medida de proteção do território do Estado de Rio Grande do Sul.

No dia 2 de abril anotei na agenda:


7 horas: fala Meneghetti.
golpe da esquerda
interdição da comunicação pelos meios de informação
começo da „Legalidade 2, Brizola"

Imediatamente após uma proclamação do governador riograndense Ildo Meneghetti começou a falar o general Ladário Teles. Depois o Brizola declarou a "2ª LEGALIDADE" - o segundo movimento em prol do respeito à legalidade do governo, ou seja, ao Presidente da República, João Goulart.

O presidente João Goulart havia providenciado a presença do general Ladário no Estado do Rio Grande do Sul para de que fossem devidamente defendidas as instituições legais. Acontece que o general Galhardo, até então chefe do 3º Exército, havia sido deposto, já que a posição política dele não estava suficientemente clara. Depois de deposto, viajou ao Rio. Brizola mandou ocupar as rádios e emissoras de TV.

Até às 10 horas da manhã vigeu uma interdição de comunicação pelos meios de informação. Pontualmente às 10 horas o general Ladário mandou promulgar uma mensagem dirigida à população de toda região militar circunscrita ao 3º Exército, ou seja, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

A „Brigada Militar", um contingente da Polícia Militar, subordinada ao governo do Estado de Rio Grande do Sul, foi integrada ao exército nacional - uma ordem que provocou o imediato protesto do Governador do Estado Ildo Meneghetti, que havia transferido a sede do governo para Passo Fundo.

O general Ladário declarou sua disposição de lutar em favor do restabelecimento da lei e ordem em todo território da república com palavras como:

„O poder satânico dos privilégios não conseguirá de novo tirar a bandeira das reformas das mãos do povo. Para este povo lutaremos unidos, exército e povo juntos … Tenho certeza e confiança de que nossa causa é santa e que ninguém nos pode roubar a vitória, que é nossa."

Em seguida falava Leonel Brizola com a intenção de conjurar o mito dos „grupos dos onze". Um de seus admiradores em Dois Irmãos havia-se aproximado de mim uns dias antes, na sexta-feira-santa, avisado: "Os militares em São Leopoldo estão bem informados sobre sua posição política!" Parece, que o departamento de inteligência militar havia funcionado de forma excelente (o chefe do 19º regimento de infantaria, tenente Coronel Oswaldo Nunes era conhecido como admirador do governo do Jango.) O quartel estava em prontidão a aguardar ordens. Neste meio tempo examinava-se as reservas de armas e munição estocados na 3ª região militar com o resultado de que havia 20.000 armas de fogo mais 6.000.000 de tiros de munição.

Pelas 16 horas de tarde o presidente Goulart aterrisou em Porto Alegre. Em Brasília, neste meio tempo, o parlamento declarou vaga a posição mais alta da República.

No Rio Grande do Sul, o deputado Brizola, apoiado pelo chefe da 3ª região militar, chamou o povo às armas.

O ministro de guerra, neste meio tempo, enviou tropas rumo à região sul do país.

O governador Meneghetti, com sede provisória em Passo Fundo, anunciou a marcha de uma tropa de 5.000 homens, reforçados por um contingente de voluntários, rumo a Porto Alegre, apelando ao general Ladário que este reconhecesse a realidade e evitasse qualquer derramamento de sangue inocente.

Na tarde daquele dia, antes de Goulart embarcar e deixar o país, acompanhamos num aparelho de rádio transistor nas mãos o famoso comício na Praça da Prefeitura em Porto Alegre. Brizola instigou os suboficiais e sargentos a atacarem seus oficiais – "e seja à unha" - caso estes não aceitassem a liderança dele nesta luta. Neste caso os sargentos deveriam assumir o comando da tropa, afim de garantir a vitória da causa nacional.

Brizola anunciou a formação de uma „milícia popular". Cada vez que mencionava o nome do governador Meneghetti e dos „conservadores", a multidão gritava: "paredão, paredão!"

Durante a noite seguinte resolvi fazer tudo a meu alcance para impossibilitar qualquer tipo de confrontação dentro dos limites de minha paróquia de Dois Irmãos. Queria tentar evitar situações em que, por exemplo, jovens inocentes se deixassem atrair pela idéia de formar um grupo desta „milícia popular". Resolvi fazer tudo que possível para evitar que entre esses colonos, naquela época politicamente pouco esclarecidos, fosse derramado sangue inocente (e a palavra "inocente" vem de "não ter noção de nada").

Eu havia escutado os repetidos apelos de Brizola para formar "milícias". Graças a meus contatos com a esquerda radical, havia tomado conhecimento da existência de lugares onde havia núcleos onde se cogitava a formação de clandestinos grupos de extremistas - armados ou ainda não armados. Fiquei preocupado ao pensar nas possíveis intenções de um amigo da casa, líder dos petebistas no lugar, mas exercendo sua profissão na capital do Estado; ele era capaz de aparecer de repente em Dois Irmãos com a idéia de formar um destes grupos. Tive conhecimento de que em outras cidades já estavam ocupadas prefeituras e emissoras de rádio por tais grupos. Até hoje não se sabe com exatidão o número destes „grupos dos onze" existentes neste Brasil, mas é um fato mesmo que o apelo do Brizola foi ouvido em praticamente todos os Estados da República e não apenas no Rio Grande do Sul. A repercussão também em círculos do PCB, inclusive em grupos de dissidentes do PCB - e não apenas no PTB - era surpreendente.

Calculei que Jango talvez pudesse se manter em Porto Alegre por mais ou menos duas semanas ao máximo. Esta avaliação me motivou no dia 2 de abril a procurar o prefeito para falar com ele sobre a situação atual do país. Perguntei quem nesta situação caótica governava de fato: o governador encontrava-se "incomunicável" em Passo Fundo, o Brizola na capital do Estado, aproveitando-se dos meios de comunicação indispensáveis; perguntei, então, quem era que de fato governava, e quem governava em nosso município de Dois Irmãos: o prefeito ou, quem sabe, o delegado de polícia da localidade (que era admirador fervente do Brizola)? E, perguntei, quem é que governava o Estado de Rio Grande do Sul - o Meneghetti, o João Goulart, ou Leonel Brizola com o 3º Exército?

A resposta do homem revelava o real tamanho da confusão e do medo do clássico cidadão humilde e obediente da zona rural ou semirural: "Quando o pessoal lá em Porto Alegre manda ordens, somos obrigados de cumprir as ordens que deles recebemos." O prefeito continuou falando lamentando: "Nunca antes passamos por uma situação destas, é a primeira vez em toda minha vida! Não sei o que eu devo fazer. Na outra vez, em 1961, durante o Primeiro Movimento da Legalidade, eles haviam nos mandados instruções da capital do Estado." Respondi: "O senhor não é comunista e eu o sou tampouco, e também os nossos colonos não são. A Igreja Católica ainda não se manifestou, mas ela também não defende a bandeira comunista, por isso não devemos permitir que uma minoria eventualmente produza caos e desordem neste município; não devemos permitir que venha uma minoria com o propósito de pôr os moradores em armas arriscando que corra sangue inocente num embate irracional. Por isso temos o dever de impor as regras do jogo e proibir que alguém apareça na rua armado. Quem vai à rua com uma arma na mão vai para a cadeia!"

O prefeito ficou contente com a orientação recebida e fez apologias por motivo de sua inexperiência, e disse que a atual situação significava para ele algo completamente novo e desconhecido. Depois disso perguntou-me: "Como vou aplicar na prática este conceito que ora discutimos?" Aconselhei que evitasse discutir o assunto com o chefe da polícia, que apenas o visitasse e declarasse o mesmo que declarou o prefeito de Porto Alegre, Sereno Chaise, durante aquele comício da Praça da Prefeitura: "Aqui neste município sou eu quem manda e quem garante a ordem! Eu não tolero que alguém ande armado pelas ruas da cidade. Quem não obedece, vai ser preso pela polícia e marcha instantaneamente para a cadeia!"

O prefeito me prometeu convocar ainda na mesma tarde os vereadores e convidar também os religiosos das três comunidades sediadas na cidade. Eu ainda ofereci ir com o prefeito no mesmo dia ao quartel da infantaria em São Leopoldo para conversarmos com os militares.

Graças a deus, pelas 13.30 horas, a Radio Guaíba divulgou a notícia da decisão do presidente João Goulart de abandonar o país para evitar uma guerra civil com muitos mortos - grandeza gaúcha!

Seja-me permitido acrescentar um episódio típico que ocorreu nos primeiros dias de abril de 1964 em Dois Irmãos:

Alguns dias depois do golpe parou em frente à delegacia de polícia - pertinho da casa paroquial – um comboio de cinco veículos: um jipe, uma van e três caminhões cheios de soldados vertidos de uniforme de combate e fortemente armados. O objetivo deles era procurar e prender comunistas. Este tipo de "blitz" com o objetivo de capturar militantes daqueles misteriosos "grupos dos onze" também em lugarejos muito remotos eram freqüentes naqueles dias pós-golpe (Direito à Memória e à Verdade, p.485)

Na calçada e na rua à frente da delegacia, vis-à-vis do terreno da Comunidade Evangélica, estava um aglomerado de militares. Atravessei a rua e perguntei, brincando com os soldados, se porventura sua visita tinha o objetivo de gozar de um dos famosos e suculentos churrascos do lugar. Os praças não reagiram e ficaram calados.

Neste meio tempo havia chegado à delegacia de polícia também o prefeito. Cumprimentei-o e perguntei qual era Ia razão desta invasão castrense. A resposta reconfirmou exatamente o que me havia preocupado: "Eles têm ordem de caçar comunistas, todos os comunistas comprovados e subversivos que moram no município." Respondi: "Muito bem, todo mundo sabe que não tem este tipo de gente aqui." E adicionei, para o comandante da tropa ouvir: "Durante os dias da crise reinou calma absoluta nesta cidade. Além disso, o senhor prefeito havia tomado providencias para evitar qualquer perturbação da ordem."

O prefeito, seu Walter Fleck, mais uma vez me agradeceu a assistência prestada, e os "caçadores de comunistas" foram-se rumo a São Leopoldo sem terem caçado nada e ninguém. No contexto deste episódio lembro-me ainda bem de um momento meio engraçado: o jipe do comandante só se pôs em movimento depois de empurrado com muitos esforços...

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