Freitag, 3. Oktober 2008

Rio de Janeiro: Vai descendo o pessoal dos morros


Todo mundo conhece o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - enquanto o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, atuando principalmente em São Paulo, é menos conhecido. O MST surgiu como resposta à um problema já secular, da questão fundiária no Brasil. Da mesma forma, nos grandes centros urbanos surgiram diversos movimentos sociais, como, no Rio, a Frente da Libertação Popular - FLP - com o objetivo de enfrentar o grave problema do déficit habitacional na cidade mais bonita do mundo. Imagine-se que no Brasil já hoje fazem falta ca. de 8 milhões de moradias, apesar de que as ações realizadas pelo Ministério das Cidades já permitiam entregar 1,6 milhões de casas, sendo mais de 300 mil apenas no ano de 2006.
Falando do Rio, a seriedade do problema habitacional enxerga-se em cada passo que a gente faz. Já na trajetória entre o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim há uma série de favelas, inclusive, ao entrar na zona do centro urbano, o Morro da Providência. Foi justamente lá, onde os escravos, quando voltaram da guerra do Paraguai, subiram no morro e fizeram suas casas, já que eles não tinham onde morar. A saber, estava prometido a liberdade dos escravos que tinham ido na guerra, e também casas, mas nada disso foi cumprido. Os famosos voluntários da Pátria tinham que acampar-se nos morros. Deste modo, as primeiras favelas foram construídas pelos soldados que sobreviveram à sangrenta guerra do Paraguai. Acontece que hoje, 130 anos depois, o pessoal começa a descer dos morros.
Um marco importante das manifestações sociais que imergiam dos habitantes dos morros, via de regra pessoas das camadas econômicamente mais fracas, foi a ocupação de prédios abandonados e não devidamente utilizados pelos proprietários. Havia ocupações planejadas por organizações que chamaram-se, por exemplo Piste e uma outra Terra, Trabalho e Liberdade, e estas ocupações tomaram lugar justamente na base do Morro da Providência, que era o primeiro refúgio dos veteranos da guerra do Paraguai.
Recentemente registrou-se outra ocupação dum prédio da Rua Barão de São Félix, No. 110, chamada de ocupação Chiquinha Gonzaga, objeto situado perto da Central do Brasil. A ocupação foi planejada principalmente por militantes da FLP - Frente da Libertação Popular. A FLP planejou a ação durante vários meses, encontrando-se com os futuros moradores que estavam interessados em ocupar tal prédio, tratando-se de dividir as tarefas necessárias a fazer dentro da ocupação, por exemplo quem ia contestar onde fica o hidráulico, quem vai participar da comissão da elétrica, quem vai cozinhar e quem vai ficar na portaria e fazer o cadastro dos moradores interessados. No prédio da Chiquinha Gonzaga têm 64 famílias atualmente morando nos 64 quartos existentes. É óbvio que os moradores tornaram-se confrontados com condições muito precárias, já que o prédio por eles ocupado originalmente não foi planejado para uso doméstico. Inicialmente havia uma só cozinha para uma população de mais ou menos 200 pessoas. Não seria exagerado dizer que se trocava temporariamente um camarote na favela ou um abrigo público por outro tipo de mocambo.
O prédio pertencia ao INCRA - Instituto Nacional de Reforma Agrária. Segundo as informações de vizinhos, ele estava sem uso, abandonado há mais de 20 anos. Então foi este o raciocínio: Conforme a legislação vigorando no Ministério das Cidades, todo prédio ou casa precisa ter uma função social. É óbvio que um prédio abandonado há duas décadas não está cumprindo a sua função social. Por outro lado, na Constituição do país, é assegurado aos brasileiros o direito de ter uma moradia. Todo mundo sabe que muitos cariocas ou estavam morando na rua ou em abrigos ou moravam muito longe, mas nem tinham dinheiro para comprar uma passagem de ônibus para irem exercer qualquer trabalho no centro, onde há necessidade de mão de obra. Ou tinha pessoas cujo aluguel já estava muito caro, e eles tiveram de decidir: ou pagar aluguel ou comer! Negar a estas pessoas o direito de moradia, assegurado pela Carta Magna, seria tão ilegal como possuir um prédio abandonado, sem qualquer função social. Seria tamanha contradição. Neste background surgiu o lema dos ocupantes: SE MORAR É UM DIREITO, OCUPAR É UM DEVER!
Deve-se destacar que a ocupação - sendo ela autônoma, independente e autogerida - não é vinculada a nenhum partido para não ter que assumir idéias ou ideologias políticas, que não sejam genuinamente aquelas dos moradores. A ocupação, porém, tem relações com os Sindicatos. Muitos Sindicatos, como o dos metalúrgicos, dos bancários, de saúde, previdência e do trabalho ajudaram inclusive financeiramente. Um coletivo como aquele da Chiquinha Gonzaga, não aceita nenhum líder; tudo deve ser decidido por todos. Eles têm um fundamento com praxes anarquistas. A filosofia deles refleta-se no slogan: O POVO ORGANIZADO NÃO PRECISA DE ESTADO. É o coletivo que delibera as regras.
Patrícia Tomimura, uma psicóloga que colabora com os moradores da ocupação Chiquinha Gonzaga, ao prestar valiosas informações sobre o projeto, destacou o papel de um colaborador, o professor Jobson, que tem muita experiência na militância e que faz parte da frente de luta popular, preenchendo uma função de estratégia política. Acontece que, na história dos Zumbi dos Palmares, ocupação do prédio nº 53 da Avenida Venezuela, houve uma época em que a polícia estava ameaçando derrubar as portas e entrar e mandar todo mundo embora. Aí o Jobson foi lá na assembléia e falou: Que estratégias a gente pode usar? Antes de chegar a luta armada há muitas outras formas de lidar com estes problemas. Então ele chamou atenção: Num determinado programa de radio existe um espaço para a gente poder falar. Deve-se organizar pessoas capazes de falar lá sobre a situação da gente, afim de divulgar mais conhecimentos acerca dos problemas que os habitantes estavam vivendo na ocupação. Inclusive o Jobson sugeriu que se poderia construir um muro com os tijolos de forma que a polícia teria mais trabalho de derrubar. Isso foi a Realpolitik!
É muito interessante observar que as autoridades cariocas - a Prefeitura e Governo do Estado - mantiveram-se mais ou menos passivas. Parece, como observa a psicóloga, que o PT estando no poder, simplesmente não dificultou mais ainda um processo. E o prefeito, que não era do PT, portava-se em conformidade com a sua declaração expressada numa entrevista de jornal: Não interferiu, já que não considerava isto como a sua função. O próprio Governo Federal, que através do Ministério das Cidades intentava a revitalização do centro da cidade do Rio de Janeiro, tampouco mostrou vontade de interferir violentamente quando pessoas que moravam na rua decidiram ocupar um prédio abandonado. Tomou lugar uma ocupação, na madrugada de 9 de outubro, do No. 49 da Avenida Francisco Bicalho - prédio abandonado sem luz nem água, propriedade da companhia Docas do Rio. A construção foi tomada por umas 60 pessoas e chamada de Quilombo das Guerreiras. Seguiram trâmites jurídicos, mas não se chegou à uma confrontação violenta. Então, pelo que se observou no Rio, a polícia carioca não estava entrando pra matar, não estava entrando pra atirar. Já há algo como uma consciência da sociedade para os problemas mais graves do país: a escassez de terra e de residências, devido a injusta distribuição da terra - no interior - e do espaço - nas grandes cidades do Brasil. E as principais vítimas são as mesmas de sempre: os pobres, e dos pobres, como a estatística comprova, a grande maioria são os negros.
Heinz F. Dressel

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