Freitag, 3. Oktober 2008

Os Kaingang em Borboleta reclamam sua terra

Às margens da pequena cidade de Salto de Jacuí, situada na Serra do Botucaraí, há mais de 7 anos vivem 40 famílias do povo Kaingang, acampadas e empilhadas num terreno de 20 hectares, que faz parte da região de Soledade e que há séculos fora propriedade de seus antepassados. Os poderosos em Brasília, porém, não hesitam em declarar que os índios no país possuiriam até terra demais.
Os antepassados dos Kaingang, caçadores e pescadores, povoavam os bosques à margem direita do rio Uruguai. Originalmente eram chamados os coroados, pois mantinham uma tonsura, isto é, a cabeça calva cercada de uma coroa de cabelos. Parentes da etnia Guarani - nome que significa guerreiro - também eram gente beligerante, atacando freqüentemente outras aldeias.
Com a chegada dos conquistadores e dos irmãos da Companhia de Jesus, a sua vida mudou de maneira considerável. Devido a ensinamentos dos missionários e à introdução de gado vacum na região pelos Jesuítas, com o tempo tornaram-se ervateiros, explorando os ervais da região e transformando-se em plantadores de milho e mandioca ou pecuaristas.
No ano de 1750, em Madrid, iniciaram-se negociações para a demarcação definitiva das fronteiras entre as colônias da Espanha e de Portugal no além-mar. Antes de tudo, procurou-se a anulação das fronteiras hipotéticas do Tratado de Tordesilhas. Os soberanos dos dois países concordaram em substituir as fronteiras artificiais indicadas naquele tratado, por fronteiras naturais, ou seja, por fronteiras dadas, as vias fluviais e as serras. Na prática, isso significava a incorporação das Missões dos Sete Povos, ao lado oriental do rio Uruguai, ao território pertencente à coroa portuguesa.
Os indígenas não concordaram com esta solução que previa a sua transferência para o lado ocidental do rio Uruguai. Em 1753, os Guaranis impediram os funcionários da comissão mista da coroa de entrar na região dos Sete Povos para organizarem a evacuação do povo. Soldados de ambas as nações ibéricas tentaram castigar os índios pela rebelião, mas estes se defendiam, e em novembro de 1754 conseguiram uma trégua. Em 1756, porém, num novo ataque das forças coloniais unidas, estas obtiveram a vitória, destruindo totalmente as povoações indígenas e, em 1757, ocupando e destruindo também as Missões Jesuíticas.
Acontece que, após a expulsão dos Jesuítas no ano de 1759, a região localizada na Serra do Botucaraí, originalmente ocupada pelos indígenas das Missões Guaraníticas, que fugiram das reduções devastadas, tornou-se núcleo dum grupo de Kaingang que ocupou o Campo Comprido e a aldeia sobre a qual mais tarde foi instalada a Fazenda Borboleta.
Devido aos eventos apocalípticos nestas guerras guaraníticas, os guarani e kaingang se retiraram à procura de proteção na selva, onde por longas épocas puderam viver sua vida tradicional sem ameaças dos intrusos europeus.
Em 1801, a região dos Sete Povos foi incorporada definitivamente ao território brasileiro. Na intenção de progressivamente ocupar a região das Missões situada ao lado direito do rio Uruguai, então despovoada, o Imperador enviou um grupo de militares para explorar a fertilidade das terras. Fez parte deste destacamento o paulista Honorário Antônio José de Melo Bravo, que, devido a sua bravura, foi convocado para servir na guarda pessoal de Dom Pedro II. Quando este resolveu regalar vastos territórios riograndenses a cidadãos merecidos - entre eles militares destacados -, o Tte. de Melo Bravo recebeu uma sesmaria em que fundou a Fazenda Borboleta, um latifúndio de extensão enorme; mas quem havia perdido todo este território era a tribo Kaingang nesta região.
Ao estourar a revolução Farroupilha (1835/1845), o Tte. Melo Bravo integrou um regimento de Cruz Alta que foi ajudar a dar combate aos farrapos que tinham invadido Santa Catarina e proclamado a República Juliana. Após a guerra dos farrapos ele voltou à sua propriedade. Casado com uma moça Kaingang, seus filhos e netos espalharam-se na região, contraindo laços matrimoniais com outras famílias, misturando-se com indígenas, imigrantes europeus - portugueses (Melo) e alemães (Schneider) – particularmente com ascendentes das famílias Matos e Padilha de Melo. Os Kaingang que integram o grupo de Borboleta consideram o Tte. Cor. Melo Bravo seu herói civilizador.
No fim do século XIX e nos primeiros anos do século XX, a colonização alcançou as regiões situadas no Alto Jacuí, Santo Ângelo e Ijuí. Os açorianos chegados ao Brasil a partir da segunda metade do século XVIII assentaram-se em sua maioria no litoral catarinense e gaúcho. Destarte, o contato dos indígenas com os brancos havia sido mínimo até que chegaram os imigrantes europeus - alemães, italianos, russos e poloneses. Até então, quem vivia nos vastos territórios de propriedade exclusiva da coroa, sem povoados sequer, era uma população indígena semi-nômade, talvez ainda algumas centenas de pobres caboclos praticando uma primitiva agricultura de subsistência. Aí as empresas de colonização - valendo-se das regras estabelecidas pela Repartição Geral das Terras Públicas - começaram a vender milhares de glebas aos imigrantes, causando o problema dos bugres. A Lei da Terra de 1850 decretou que futuramente a aquisição de terra seria permitida somente por meio da compra e não mais por meio da posse, ou seja, da simples ocupação da gleba, como havia sido há séculos. Quem sofreu mais com esta nova legislação foi, além do caboclo, o índio. Agora, os papeis estavam invertidos, fazendo dos brancos os donos da terra, ao passo que os índios eram considerados intrusos. Aos olhos dos colonos, quem era considerado intruso não desejado, silvícola perigoso ou até animal negro sem qualquer utilidade foi o bugre e o caboclo. As autoridades estaduais, aplicando modelos bem conhecidos, concentraram os indígenas compulsoriamente em territórios muito limitados. Nos lugares onde os indígenas caçaram, pescaram e plantaram por séculos, encontram-se agora colonos que, com seus arados, profanam os antigos cemitérios dos bugres, despedaçando e quebrando as urnas de barro cozido que os Guaranis utilizaram para enterrar os restos mortais de seus ancestrais, que jazem em terra consagrada, como observou Egon Schaden. O governo concentrava os indígenas em reservas situadas em regiões remotas e abandonadas. Nos tempos da colônia, chamavam-se tais lugares aldeias, aldeamentos ou reduções; hoje em dia fala-se de reservas indígenas. No Rio Grande do Sul, estas reservas de índios, instaladas no começo do século XX, diminuíram passo a passo e sendo afinal totalmente dissolvidas. O resultado foi que os índios se transformaram ou em pequenos lavradores ou em gente sem terra. Os Guaranis oficialmente não possuem nenhum pedaço de terra. Assim, pela legislação, o processo histórico da desapropriação ou da roubalheira continua até nossos tempos. E ainda alguns políticos e administradores na Capital Federal opinam que o índio tenha até terras demais.
Enquanto isso, a descendência da comunidade de Borboleta reivindica, além do reconhecimento oficial de sua identidade indígena, os direitos territoriais que lhes são garantidos em decorrência de sua situação étnica e histórica. Na terra dos ancestrais há sítios míticos, entre os quais se destaca o cemitério Capitulino, que hoje representa uma referência a estes indígenas, pois seus capelães rezavam e cultuavam seus mortos. Estas rezas correspondem ao kiki, que se conhece dos Kaingang de outras regiões. Tudo isso comprova o direito legítimo do grupo comunidade Borboleta de reclamar que lhes seja retribuída sua propriedade, de onde muitos foram expulsos pelos terratenentes tiveram suas casas queimadas pelos fazendeiros brancos. O grupo manifestou-se em novembro de 1987, numa carta assinada pelo líder João Carlos Padilha e mais 25 representantes da comunidade, e enviada às autoridades competentes. Em 1990, o grupo ainda não havia sido atendido. Solicitou da FUNAI a delimitação e demarcação da terra indígena, pedindo auxílio de alimentação, medicamentos e materiais escolares para oitenta famílias. 1991, oito meses depois do processo ter sido arquivado, o caso foi retomado.
Naquele momento a comunidade ocupou uma porção de terra denominada Granja Oriental, com área de 823,76 ha, em poder do Banco do Brasil. Foi parcialmente ocupada com o objetivo de garantir a subsistência das famílias. O Cacique ou Líder Geral, Abílio Padilha da Silva, em nome da Assembléia da comunidade, logo se dirigiu às autoridades responsáveis, em ofício, onde esclareceu o posicionamento do grupo sobre a posse da Granja Oriental e sugeriu providências.
A Unijuí, que há duas décadas apóia a formação de estudantes da comunidade Kaingang, prepara professores bilíngües para o ensino dos filhos da etnia, ao lado do português também na língua sua da tribo. Na comunidade Borboleta trabalha um destes professores. Uma moça do grupo ora começa de estudar Pedagogia; outra escolheu o curso de Enfermagem oferecido pela Unijuí. Enviou-se um número de livrinhos didáticos ao professor da escolinha - A NOSSA LÍNGUA VIVE - editada pela editora mabase de Nueremberg! E o Cacique gosta de ler até a revista também nuerembergense: Reflejos!
Heinz F. Dressel

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